segunda-feira, 3 de janeiro de 2011



"Já ancorado na Antártida, ouvi ruídos que pareciam de fritura. Pensei: Será que até aqui existem chineses fritando pastéis?? Eram cristais de água doce congelada que faziam aquele som quando entravam em contacto com a água salgada. O efeito visual era belíssimo. Pensei em fotografar, mas falei para mim mesmo: - Calma, você terá muito tempo para isso... Nos 367 dias que se seguiram o fenômeno não se repetiu. Algumas oportunidades são únicas." Como diz o Dalai Lama: "Só existem dois dias no ano em que nada pode ser feito. Um chama-se "Ontem" e o outro "Amanhã", portanto HOJE é o dia certo para amar, acreditar, fazer e principalmente viver."
AMIR KLINK

domingo, 5 de dezembro de 2010

Um pouco de jazz e hipocrisia

Sentamos-nos no bar e pedi um Stenheiger, Mercedes falava e falava e falava na minha orelha, mas eu nem escutava, meu cérebro e meus ouvidos estavam atentos ao jazz que uma banda tocava num canto do bar. Ela dizia que aquele meu jeito de artista atromentado já tinha saido de moda, que precisava parar de procurar paixão, loucura e quem sabe procurar um emprego no lugar disso, que eu precisava crescer e blá blá blá, toda aquela ladainha de namorada que chega a uma certa idade e quer casar (percebo agora que toda mulher quer casar e ter filhos, o mundo pode mudar, mas sempre será assim, como uma predisposição natural a procriar e se eu acredita-se em Deus, poderia até dizer que ele realmente faz tudo certo, mas não acredito), enfim, ela falava sem parar eu eu lá bebericando e fingindo ouvir o que na verdade não me importava.
O jazz dava notas altas e aquilo me satisfazia, como a bebida e aquele bar escuro me satisfaziam no momento, não me preocupava em trabalhar, ter dinheiro ou filhos, eu queria ficar para sempre em um bar ouvindo o jazz que Miles tocava pra mim e tomando algo tão forte que quase fazia meu cerébro entrar numa semi inconsciência gostosa, daquelas que se arrependerá no dia seguinte, mas não tanto a ponto de desistir dela.
Mercedes continuava com a ladainha e sonhando com uma vida que cada vez se distanciava da que eu procurava, me dava vontade de levantar e gritar: "deixe-me ser um vagabundo! Deixe-me ser atormentado! Não preciso de dinheiro eu só quero jazz, poderia viver só de jazz. Ele seria minha comida, minha bebida e minha companhia. Não preciso de você, deixe-me em paz!"
Lógico que não o fiz, simplesmente continuei sentado na minha semi inconsciência, fingindo que ouvia uma coisa que odiava enquanto fingia que esquecia o que realmente era, a vida é assim não? Feita de fingimentos e hipocrisias. Que seja, vivo de acordo com o que querem de mim e enquanto isso me satisfaço com Miles, John, Steve e meu Stenheiger. 

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Triste como um palhaço

Quero escrever o que não consigo dizer. Apetece-me abrir, como um livro em branco e a cada palavra uma emoção. Um significado, um pedaço de ficção tornado real. Sinto-me a desfalecer, como um sobrevivente num barco no meio de uma tempestade, onde sabe que só um milagre o fará sobreviver. Porque sou assim? Porque não consigo controlar-me, tento sempre algo com medo das pessoas não gostem mim. Não quis sofrer mais, por isso decidi afastar-me de toda a gente. Agora em vez de um coração tenho uma pedra. Difícil será pedir ajuda, mas porque fujo de tudo e de todos. Não enfrento os meus medos. Sempre a fugir, mas os problemas não desaparecem, apenas adormecem num sono leve. Continuamente dormindo, até um dia que acorda. Mais furioso, que um bebé com sono. Será que um dia vou acordar para a vida? Será que algum dia, vou deixar de fugir. De não precisar de me esconder por detrás duma máscara. Algum dia terei paz, comigo mesmo. Procuro o que? Escondo-me do que? Do sofrimento?! Mas senão sofrer não viverei, ficará sempre a angústia de poder ter feito algo mais, ser capaz de ter feito outra coisa para me mudar a mim. Então o que me falta? Não sei, não me conheço, e muito menos sei quem fui, sou ou serei. Sou um sentimentalista barato, daqueles livros que se compram, mesmo não sabendo o fim são todos iguais e terminaram de certeza da mesma maneira. Só muda o conteúdo, a forma do conteúdo é sempre mesma. Devo ser mesmo uma criancinha, não amadureci o suficiente. Não cresci em termos mentais. Se calhar não vivo, sobrevivo. Vou sobrevivendo, não questionando, não esticando a corda. Se calhar limito-me a seguir as pesadas dos outros. Em vez de ter uma personalidade própria. Se calhar também por ter mentido, muito a mim próprio agora já não sei quem sou. Perdi-me no caminho, e agora não sei o caminho de volta. Um circulo vicioso, onde já não se sabe onde começou e onde acaba. Ainda terei a tempo, de me encaminhar e não me perder de vez?
Alguém saberá me dar essa resposta e tantas outras que eu não sei. Talvez não tenha procurado bem, ou não tenho procurado nos sítios certos. O lamentar não me ajuda em nada, só faz com que tenha pena do que estou a ser neste momento. O frio passou, o frio que tinha quando comecei a escrever, mas o gelo dentro de mim, a angústia, a tristeza, o sofrimento continua. Não há alegria nos meus olhos, como num dia cinzento onde só chove. Em que a minha cara são as gotas, que caíram nesse dia de temporal. Onde o sol se escondeu, tornou-se cinzento, carregado. Não há cores vivas, mas sim cores mórbidas. Algum dia terei gostado de alguém realmente? Sim, apesar de tudo não sou assim tão frio. Da minha família, dos meus verdadeiros amigos, desses gostei. Então quando deixei de gostar? Quando deixei de ter interesse na vida? Quando passei a sobreviver, como um náufrago onde só ver mar e mar e mais mar. Mas acredito que sobreviverei, mas já não tenho a certeza de nada.


http://www.luso-poemas.net/modules/news/article.php?storyid=3934 )

terça-feira, 23 de novembro de 2010

O mar


Há um mistério todo especial
Navegando em mim.
Rema, rema sem parar,
Parece que não cansa...
Não sei onde quer chegar.

Mesmo sendo esse meu mar íntimo,
Lugar perigoso, imprevisível...
Navega sem parar,
Sem receio, sem medo ou indecisão.
Rema... rema sem cessar.

E as vezes calmo, tranqüilo, se entrega
Meu mar curioso,
À espera de em algum canto aportar,
Esse mistério que não cede.
Rema... rema para algum lugar.

Impaciente, provoco tempestades.
Ondas gigantes,
E vendavais repentinos.
Mas nada contém esses remos...
Que remam... não desistem de me navegar.

Talvez ele não me veja realmente.
Ou não deseje mesmo parar.
Esse mistério que tanto me desbrava...
E não descansa, e não chega,
Só queira mesmo manter agitado e vivo
O meu mar.


segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Navegar é preciso

Navegadores antigos tinham uma frase gloriosa: 
"Navegar é preciso; viver não é preciso."

Quero para mim o espírito desta frase, transformada 
A forma para a casar com o que eu sou: Viver não 
É necessário; o que é necessário é criar. 

Não conto gozar a minha vida; nem em gozá-la penso. 
Só quero torná-la grande, ainda que para isso 
Tenha de ser o meu corpo e a minha alma a lenha desse fogo. 

Só quero torná-la de toda a humanidade; ainda que para isso 
Tenha de a perder como minha. 

Cada vez mais assim penso. Cada vez mais ponho 
Na essência anímica do meu sangue o propósito 
Impessoal de engrandecer a pátria e contribuir 
Para a evolução da humanidade. 

É a forma que em mim tomou o misticismo da nossa Raça.



Autor:Fernando Pessoa

sábado, 20 de novembro de 2010

As garças

“Garça”

No finalzinho da tarde eu vejo a revoada. Aqueles pescoços compridos todos encolhidos. Estão indo para o ninhal. O vôo é lindo, tranqüilo, sem alvoroço. Daqui de baixo o bico é amarelo e longo, parece um punhal de tão fino. As aves são o que comem. Cada bico tem uma função e uma forma. As penas são brancas e as patas pretinhas. Ela é enorme, talvez um metro. É uma garça.

Poesia voando. Poesia planando. Poesia pescando. No alto do bambuzal foram feitos os ninhos das grandes. Fica a uns oito metros do chão. Na metade do caminho moram as pequenas. A diferença é que o bico da pequena é preto e ela é a metade da outra. No ninho feito de gravetos mais ou menos arrumados, ficam uns 3-6 ovos claros. Por favor, me entendam, as grandes são de uma espécie e as pequenas são de outra.

Existem muitos tipos de garças, e tem até cidade com nome dela. São lindas, gosto das duas que falei acima e também da vaqueira. Aquela que come carrapato do boi, mas essa não mora na água e nem faz ninho nas árvores. Ela é africana, importada, chegou no Brasil quando ele nasceu, em 63. A diferença é o peito amarelo. Garça de verdade é toda branca, noivinha.

Garças fêmea e machos se enfeitam no período do acasalamento, pluminhas fofas aparecem no peito e nas costas. Fazem um penacho no pescoço e na cauda também. Chamam-se egretas, essas penas. Deu-me pena saber que muita gente caçou essas meninas só para tirar os enfeites. Maldade da grossa.

Mesmo morando no lodo e pescando peixinho elas estão sempre limpinhas. É que tem uma substância, um pozinho azul, que elas passam nas plumas. O dedo do meio do pé é especial para isso, existem umas serrinhas em forma de pente. Elas não mergulham e nem filtram água. Só fincam.

Fincada de garça é igual flechada no coração. Não tem erro não. E se a voz delas é um cacarejo meio grosso, meio duro, é só fita. Elas são dóceis e belas. Na cidade em que ele nasceu tem um clube chamado Jaó, elas se juntam lá para dormir. Centenas delas, uma alvura total.

Eu quando durmo sonho sempre. Ninguém consegue adivinhar os sonhos e nem impedi-los, né? Acho que a vida inteira vou dormir no branco e sonhar colorido. Igual garça que voa no azul e desce no verde para deitar.

Autor: JB Alencastro